O longo perfeito: como planejar, executar e evoluir

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Se há um treino que define a base de um corredor, é o longão. Ele não é apenas “mais um dia de corrida mais longa”: trata-se do exercício que molda a resistência, a economia de movimento e até o psicológico para suportar a fadiga. Quem corre meia maratona ou maratona sabe que o sucesso na prova nasce nesses treinos longos e, por isso, compreender suas variações, sua progressão e a forma ideal de executá-los é fundamental para evoluir sem se lesionar.

O que é o longão e por que ele é indispensável

O longão é uma corrida de maior duração — geralmente de 60 a 180 minutos — feita em ritmo confortável e constante. Seu principal objetivo é desenvolver a capacidade aeróbica, ou seja, a eficiência do corpo em utilizar oxigênio para gerar energia. Isso faz com que o corredor consiga manter o esforço por mais tempo, retardando a fadiga muscular e mental.

Do ponto de vista fisiológico, o treino longo estimula adaptações profundas: aumento no número de mitocôndrias (as “usinas de energia” das células), melhora na utilização de gordura como combustível, fortalecimento do sistema cardiovascular e incremento na resistência muscular periférica.

Mas há também um aspecto mental relevante: correr por tanto tempo ensina o corpo a lidar com desconfortos, manter o foco e administrar o ritmo — características decisivas para quem enfrenta provas longas.

Tipos de longão: nem todo treino longo é igual

Existem diferentes formatos de longão, e cada um cumpre uma função específica dentro da periodização de treinos. Entender essas variações ajuda a evitar monotonia e aprimorar diferentes capacidades físicas.

1. Longão contínuo tradicional

É o mais comum, feito em ritmo estável e confortável (zona 2 ou início da zona 3 de frequência cardíaca). Serve para desenvolver resistência aeróbica e acostumar o corpo a longos períodos de esforço. Ideal para as fases iniciais de preparação.

2. Longão progressivo

Começa em ritmo leve e termina mais forte, com aumento gradual de intensidade. Nos quilômetros finais, o corredor se aproxima do ritmo de prova, simulando a sensação de correr rápido sob fadiga. É indicado para fases intermediárias e avançadas, quando já há base de resistência consolidada.

3. Longão com blocos de ritmo

Alterna trechos em ritmo confortável e segmentos em ritmo de prova (por exemplo: 4 x 5 km em ritmo de prova dentro de um longo de 25 km). Esse formato melhora o controle de esforço e ensina o corpo a correr rápido mesmo cansado.

4. Longão de terreno variado

Feito em percursos mistos — subidas, descidas, trilhas —, ajuda a fortalecer musculaturas estabilizadoras e aprimorar a propriocepção. Muito útil para quem participa de corridas de montanha ou quer aumentar a força específica de corrida.

5. Longão regenerativo

Apesar do nome, é um treino leve e mais curto que os demais, normalmente usado na semana seguinte a um longo exigente. Mantém o volume sem sobrecarregar o corpo.

A progressão ideal: como aumentar o volume com segurança

O erro mais comum de quem começa a fazer longos é exagerar no aumento de distância ou tempo. O ideal é seguir a regra dos 10% — ou seja, crescer o volume semanalmente em no máximo 10% em relação ao anterior. Assim, o corpo tem tempo de se adaptar às novas demandas.

Corredores que se preparam para meias maratonas (21 km) costumam chegar a treinos longos entre 18 e 23 km; já quem vai encarar a maratona (42 km) precisa de sessões que variam de 28 a 36 km, dependendo da experiência e da estratégia de prova.

No entanto, mais importante do que o número absoluto é a consistência: fazer longos semana após semana, sem interrupções, é o que constrói a base sólida de resistência. “Pular etapas ou aumentar a quilometragem de forma agressiva só traz risco de lesão e fadiga acumulada”, alerta o treinador Rodrigo Lacerda, especialista em corrida de longa distância.

O ritmo certo: devagar para ir mais longe

O longão deve ser executado em ritmo controlado e confortável, em que seja possível conversar sem ofegar — o que normalmente equivale a 60–75% da frequência cardíaca máxima. Esse controle é essencial: correr rápido demais anula o objetivo do treino e aumenta a chance de fadiga prematura.

O ritmo ideal é cerca de 45 a 90 segundos por quilômetro mais lento do que o pace de prova. Por exemplo, se o atleta pretende correr a meia maratona a 5:00/km, seu longão pode ser feito entre 5:45 e 6:15/km. Em treinos progressivos, esse ritmo aumenta gradualmente, terminando próximo da meta de prova.

A variação entre zonas de intensidade também pode ser medida por sensação:

  • Zona 1 (muito leve): aquecimento, início do treino
  • Zona 2 (leve/moderada): maior parte do longão
  • Zona 3 (moderada/intensa): últimos quilômetros ou blocos de ritmo

Treinar respeitando essas zonas é o que permite evoluir sem esgotar o sistema nervoso e evitar o chamado “overtraining”.

O que considerar antes, durante e depois do longão

Planejamento: escolha percursos seguros, preferencialmente planos ou com pequenas variações de terreno. Verifique o clima e planeje pontos de hidratação a cada 30–40 minutos.

Nutrição: para corridas acima de 90 minutos, é essencial o consumo de carboidratos durante o treino (30–60 g por hora, em forma de géis, bebidas esportivas ou frutas secas). Antes, faça uma refeição leve com carboidrato de fácil digestão — como pão branco com mel ou banana com aveia.

Recuperação: após o longo, priorize reidratação e ingestão de proteínas e carboidratos para recompor o glicogênio muscular. Um descanso ativo no dia seguinte (como caminhada leve ou pedal fácil) ajuda a eliminar resíduos metabólicos e acelerar a recuperação.

Longão e o papel psicológico na corrida

Poucos treinos fortalecem tanto a mente quanto o longão. Correr por duas ou três horas ensina a lidar com o tédio, o desconforto e a oscilação mental que acontecem nas provas longas. Aprender a quebrar o treino em blocos mentais — focando, por exemplo, em 5 km por vez — ajuda a manter a concentração e evitar o desânimo.

Esse treinamento mental é o que diferencia quem chega ao final de uma maratona apenas sobrevivendo de quem termina forte. O longão é, em essência, um laboratório para testar não apenas a resistência física, mas também o controle emocional e a estratégia de prova.

O papel do longão dentro da periodização

O treino longo deve estar inserido em um contexto mais amplo, com alternância entre estímulos de velocidade, treinos intervalados e sessões regenerativas. Ele costuma ser feito uma vez por semana, geralmente aos domingos, com aumento gradual de duração ao longo do ciclo e reduções estratégicas (semanas de descarga) para evitar sobrecarga.

Corredores experientes variam o tipo de longão conforme o ciclo: no início, buscam volume; nas fases intermediárias, intensidade controlada; e, nas semanas finais antes da prova, simulam o ritmo e a nutrição de competição.

Essa estrutura é o que permite chegar à linha de largada com o corpo preparado e a mente confiante.

O longão é o alicerce do corredor

Mais do que um treino de resistência, o longão é um exercício de paciência e disciplina. Ele ensina o corredor a respeitar o próprio corpo, ouvir os sinais e construir performance de forma sustentável. Feito com planejamento, ritmo controlado e progressão adequada, transforma o atleta — física e mentalmente.

Na corrida, a pressa é inimiga da evolução. É no passo firme, um quilômetro de cada vez, que o longão cumpre seu papel: criar o corredor capaz de chegar mais longe, mais forte e, acima de tudo, inteiro.

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