Quem já “bateu na parede” em uma meia ou maratona sabe bem o que acontece quando o combustível acaba: pernas pesadas, queda brusca de ritmo e a sensação de estar correndo contra si mesmo.
Para evitar isso, uma nova pesquisa da Liverpool John Moores University, em parceria com a Science in Sport, reacende um velho debate e aponta para uma conclusão ousada — corredores podem (e talvez devam) consumir mais carboidratos do que se acreditava até hoje.
Estudo testou limites do corpo humano em ritmo de maratona
O experimento reuniu oito maratonistas de elite, com tempos pessoais na casa de 2h22 em média, para correr em esteira no ritmo de prova. Durante duas horas, os atletas ingeriram diferentes quantidades de carboidrato por hora: 60g, 90g e 120g, em forma líquida, variando entre combinações de maltodextrina e frutose — fontes de rápida absorção.
A ideia era medir até que ponto o corpo consegue metabolizar o carboidrato durante o esforço, sem provocar desconfortos gastrointestinais, um dos maiores temores entre corredores.
Os resultados surpreenderam: quanto mais carboidrato os atletas ingeriam, mais o corpo conseguia queimar e, principalmente, com mais eficiência. No grupo que consumiu 120 gramas por hora, o gasto de oxigênio caiu 2,6%, indicando uma melhora direta na economia de corrida — ou seja, eles correram mais rápido com menos esforço.
Por que isso muda o jogo
Até recentemente, a recomendação tradicional da literatura esportiva era consumir de 30 a 90 gramas de carboidrato por hora, dependendo da duração do exercício. Acima disso, acreditava-se que o corpo não conseguiria absorver adequadamente, causando enjoo ou dor abdominal.
A nova evidência mostra o contrário: com prática e adaptação, o sistema digestivo pode processar até 120g por hora, principalmente se a ingestão combinar diferentes tipos de carboidrato (como glicose e frutose). Essa combinação otimiza o transporte intestinal e aumenta o aproveitamento energético.
Em termos práticos, isso significa que muitos corredores amadores — e até alguns profissionais — podem estar subalimentando o corpo durante as provas. Se o objetivo é correr rápido, talvez o ideal seja mirar entre 90 e 120 gramas por hora, resume um dos pesquisadores.
Treinar o intestino também faz parte do treino
A novidade, porém, vem com uma ressalva importante: não adianta tentar algo assim pela primeira vez no dia da prova. O sistema digestivo precisa ser treinado, assim como os músculos.
A estratégia recomendada envolve três etapas principais:
- Carregar o estoque antes da prova: fazer o carb loading no dia anterior, priorizando alimentos ricos em carboidrato como arroz, massas e pães
- Reforçar no café da manhã pré-prova: uma refeição leve, mas rica em carboidratos de fácil digestão
- Ingerir durante o esforço: testar em treinos longos diferentes produtos (géis, bebidas ou balas energéticas) para descobrir o que funciona melhor e em que quantidade o corpo tolera bem
Com o tempo, o intestino aprende a lidar com volumes maiores sem desconforto. A vantagem? Evitar a queda de rendimento que atinge muitos corredores nos quilômetros finais — justamente quando o glicogênio muscular se esgota.
Impacto direto no desempenho
Segundo o estudo, o grupo que ingeriu 120g de carboidrato por hora atingiu taxas de oxidação recordes: entre 1,5 e 1,7 grama por minuto. Esse dado reforça que a energia extra foi efetivamente usada como combustível, melhorando o rendimento geral.
Embora a pesquisa tenha sido feita com atletas de elite, o princípio se aplica também a corredores recreativos — especialmente aqueles que participam de provas longas e buscam performance.
Em resumo, mais do que apenas treinar duro, é preciso abastecer bem.