Durante décadas, corredores ouviram um conselho repetido quase como lei: não aumente mais de 10% do volume semanal de treinos para evitar lesões. Mas uma nova pesquisa internacional, publicada no British Journal of Sports Medicine, sugere que talvez seja hora de repensar esse dogma. O risco de lesão não estaria apenas no acúmulo semanal de quilômetros, mas sim nos picos de distância em uma única sessão de treino.
O que diz a pesquisa
O estudo acompanhou mais de 5 mil corredores, todos inicialmente sem histórico de lesões, ao longo de 18 meses. Os participantes compartilhavam dados de seus relógios GPS, além de responder a questionários semanais sobre dores e limitações. Ao final, mais de um terço relatou algum tipo de lesão, em grande parte classificada como lesão por sobrecarga.
Os pesquisadores analisaram três indicadores: variação semanal de quilometragem, relação entre carga aguda e crônica (comparação entre a semana atual e a média das três anteriores) e aumento da distância de um treino específico em relação ao mais longo dos 30 dias anteriores. Foi neste último ponto que surgiu a surpresa: quando os corredores aumentavam em mais de 10% a distância de um único treino em comparação ao seu longo mais recente, o risco de lesão disparava.
O perigo dos “saltos” de distância
Os números impressionam. Um aumento pequeno, de 10 a 30% além do treino mais longo do mês, elevava a chance de lesão em 64%. Saltos moderados, de até o dobro da distância, subiam o risco em 52%. Já quem praticamente dobrava a quilometragem em relação ao treino anterior tinha 128% mais chances de se machucar.
Isso representa uma mudança de paradigma. A ideia comum era de que lesões por uso excessivo se acumulavam gradualmente. O estudo sugere que, muitas vezes, basta um único treino exagerado para desencadear o problema.
Como aplicar no dia a dia
Para os corredores, a recomendação é clara: controle os picos nos treinos longos. Se seu último longo foi de 15 km, por exemplo, o próximo não deveria ultrapassar 16,5 km. Esse cuidado é ainda mais importante para iniciantes ou atletas que voltam de pausa, já que o corpo ainda não está totalmente adaptado.
Especialistas lembram também que o risco de lesão não depende apenas da distância. Intensidade, frequência de treinos, terreno, tipo de tênis e até fatores externos, como sono e estresse, influenciam. Por isso, o ideal é combinar progressão gradual de quilometragem com equilíbrio entre treinos fortes e leves.
O que fica para os corredores
O estudo não invalida completamente a regra dos 10% semanal, mas reforça que um único excesso pode ser mais prejudicial do que uma variação gradual ao longo da semana. Ou seja, não é preciso temer todo aumento de volume, mas sim evitar “saltos” repentinos que o corpo ainda não está preparado para suportar.
Em resumo, a ciência mostra que correr com regularidade e respeito aos limites individuais continua sendo a melhor forma de evitar paradas indesejadas. Afinal, mais vale treinar um pouco menos hoje do que ficar semanas sem correr por conta de uma lesão amanhã.